quarta-feira, novembro 28, 2007

Do nome


Diz-me o teu nome - agora, que perdi
quase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. Escreve-o na minha mão

com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,

como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria. E, antes de partires, pousa-o

nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.

Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim.

Maria do Rosário Pedreira



Sei o nome que dizes ter. Queria guardar o nome do interior de ti.

domingo, novembro 25, 2007

Ver é estar distante



De repente estou só no mundo. Vejo tudo isto do alto de um telhado espiritual. Estou só no mundo. Ver é estar distante. Ver claro é parar. Analisar é ser estrangeiro. Toda a gente passa sem roçar por mim. Tenho só ar à minha volta. Sinto-me tão isolado que sinto a distância entre mim e o meu fato. Sou uma criança, com uma palmatória mal acesa, que atravessa, de camisa de noite, uma grande casa deserta. Vivem sombras que me cercam - só sombras, filhas dos móveis hirtos e da luz que me acompanha. Elas me rondam aqui ao sol, mas são gente.


Bernardo Soares


Só ar. Como um sopro. Por vezes as sombras até são bem vindas.

quinta-feira, novembro 22, 2007

Do amor



Esta vista de mar, solitariamente,
dói-me. Apenas dois sóis, duas luas
me dariam riso e bálsamo.
A arte da natureza pede
o amor em dois olhares.

Fiama Hasse Pais Brandão




Solitariamente. Sem riso. Mas o mar é o (e)terno bálsamo.


segunda-feira, novembro 19, 2007

sangue dentro e meu


levanta-se no ar
como fio de nuvens
ampla extensão
de extenuado vigor
vapor tão ofegante
sangue dentro e meu
cravado nos braços da terra
ave transparente
que de tão no ar expandida
de mim se afasta
de si mesmo liberta

Alberto Carneiro

Pudesse eu libertar-me de mim mesma! Expandir-me no ar e esquecer o que me liga à terra!

sexta-feira, novembro 16, 2007

Lágrimas e sorrisos


minhas trevas me perseguem
às vezes vão à minha frente

tão disformes quanto eu mesmo
as flores nos ensinam:

miram a luz, e não
suas próprias sombras...

Alceu Brito Correa


Ainda contemplo as sombras que caminham comigo. Vou olhar mais as flores na beira do caminho.