domingo, abril 20, 2008

recaída



nada mudou. caminho em círculos.
à mais efémera alegria
sobrevirá já que o persigo
o caos talvez nas manhãs frias

do outono inexistente e azul
ou nas notas falsas de um blues

nordestinado ao som da lua
cheia. mentiras de poeta.
perdida há muito em meio à bruma

desaprendi de ver. de crer.
de chorar? não. e de morrer?

Márcia Maia


[Lá, no outro lado, está o meu post do 25 de Abril e a despedida até Maio.]

terça-feira, abril 15, 2008

Dentro da árvore



Por entre os ramos e as sombras sem tristeza
em claro e sonâmbulo vagar
mais baixo do que o dia com suas lâmpadas de espuma
em abóbadas de sombra entre o verde e a cinza.

Era a terra do sono e da solidão e da partilha
e a respiração da ausência. O destino
era próximo da mesa da folhagem, a sede
calma. E o sentido era um sonho
que se encarnava num flanco aberto.

Porque nascíamos em núpcias transparentes
com o ar adormecido num meio dia completo.
Porque no fundo escuro amávamos a altura verde
e recebíamos a frescura de uns dedos ignorados.

António Ramos Rosa

quinta-feira, abril 10, 2008

O lugar da casa


Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.




Eugénio de Andrade

segunda-feira, abril 07, 2008

Aprender com as palavras a substância mais nocturna



Aprender com as palavras a substância mais nocturna
é o mesmo que povoar o deserto
com a própria substância do deserto
Há que voltar atrás e viver a sombra
enquanto a palavra não existe
ou enquanto ela é um poço ou um coágulo do tempo
ou um cântaro voltado para a própria sede
talvez então no opaco encontremos a vértebra inicial
para que possamos coincidir com um gesto do universo
e ser a culminação da densidade
Só assim as palavras serão o fruto da sombra
e já não do espelho ou de torres de fumo
e como antenas de fogo nas gretas do olvido
serão inicialmente matéria fiel à matéria


António Ramos Rosa

quarta-feira, abril 02, 2008

estação


Muita vez vim esperar-te e não houve chegada.
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça

Mário Cesariny