quinta-feira, agosto 28, 2008

Faz-me o favor


Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.


É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.


Tu és melhor -- muito melhor!--
Do que tu.
Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.



Mário Cesariny




[Deixo-vos até meados de Setembro com Cesariny e umas flores cor de melancolia. Beijos e abraços a todos ]

sábado, agosto 23, 2008

Explicação


O pensamento é triste; o amor insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.

Deus não fala comigo - e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce...
- espero a minha própria vinda.

(Navego pela memória
sem margens.

Alguém conta a minha história
e alguém mata os personagens.)


Cecília Meireles



segunda-feira, agosto 18, 2008

Fechei o sol




Fechei o sol no meu quarto
de paredes limpas, imaculadas e discreto,
mas, a toda a volta, cresceu um vazio preto.

A esta gloriosa exposição eu me submeto:
-Falo com os botões, em contra-luz, e olho o tecto,
até ficar farto.

A noite cai agora, mansamente.
Abro a porta ao vento livre, do deserto,
para que entrem sombras e silêncios insolentes.

Manuel Filipe

sexta-feira, agosto 01, 2008

Surdo, subterrâneo rio


Surdo, subterrâneo rio de palavras
me corre lento pelo corpo todo;
amor sem margens onde a lua rompe
e nimba de luar o próprio lodo.

Correr do tempo ou só rumor do frio
onde o amor se perde e a razão de amar
--- surdo, subterrâneo, impiedoso rio,
para onde vais, sem eu poder ficar?

Eugénio de Andrade

[Deixo-vos durante cerca de quinze dias em boa companhia. Boas férias!]