quinta-feira, janeiro 31, 2008

Fantasia


Dá-me a máscara
Aquela que quiseres que eu use
Conduz-me pelo salão na dança
Hoje é hora de viver a fantasia

Diz-me o que sou
Columbina ou princesa adormecida
Vou transformar-te em triste Pierrot
Ou príncipe que dá vida num só beijo

Diz que é o fim
E logo a máscara terá que cair
Ao olhar-te serás tu a fantasia
Realidade sonhada dos meus dias



Foto by Stefan Nielsen, Lady with black rose


Este poema tem três anos. Eu até nem gosto do Carnaval. Mas gosto de sair do meu poiso habitual e, por isso, volto lá para o meio da próxima semana. Bom Carnaval ou, apenas, bom descanso!

domingo, janeiro 27, 2008

Aceitação


É mais fácil passar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.

É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano
E assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com o teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.

Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.

Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja das cigarras: também vou morrer de cantar.

Cecília Meireles

terça-feira, janeiro 22, 2008

Semente em dias de frio




Deixa que te olhe
no dia cinza e prenhe de bruma
que se colou espessa nos vidros
vago reflexo que não alcanço
ainda que a alma se expanda
e te toque.
Deixa que pense,
mesmo que seja num dia sem sol,
que o sempre não é somente palavra
de um dicionário coberto de pó
e a vida não é gazela que foge
à nossa frente.
Deixa que sinta
como sopro leve, lábios conhecidos,
que sussurre o tempo que já esperei,
a brisa que trazes nos dedos carícia
e quanto serás eterno em meu corpo
que aguarda.

Deixa que a vida me diga de ti hoje e amanhã
para que exista um sulco de esperança,
semente plantada em dias de frio
na terra que piso.




Escrito há 2 anos. Actual? Talvez.

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Elegia


Quando a manhã rasgou o coração do poeta
voavam pássaros dos teus ombros
e o tempo era uma laranja azul
rolando nos teus dedos meninos

Quando a manhã rasgou o coração do poeta
colhias no jardim os versos puros
da primeira canção

Quando a tarde chegou ao coração do poeta
com flores breves e conchas
desenhavas
nas horas quase brancas
teu caminho de abelha

Ah mas o sol morreu no coração do poeta
e uma andorinha tristemente vem
com um ramo de vento
pairar a tua ausência

Emanuel Félix



Triste é o tempo em que o sol morre no coração do poeta. Esperemos a madrugada.

terça-feira, janeiro 15, 2008


Nada mudou.

O céu,
Não nos caiu na cabeça.

O chão,
Não nos fugiu dos pés.

Um cenário possível,
Como todos.
Viável,
Como muitos mais.

Simplesmente, nunca aconteceu.

O mundo gira,
Mas não se inverte, só nós.

Rodrigo Almeida e Sousa




... e por isso a vida continua enquanto o mundo gira, mudando constantemente de cenário.

sábado, janeiro 12, 2008

Nem eu sei bem...


Nem eu sei bem que tenho em mim
que jeito tenha
neste querer de tudo querer levar a peito
e dou por mim ao rés do mar
contemplativo
num só instante embevecido de abandono

(...)

Jorge Castro



Graças pelo mar. A uma qualquer divindade. Amigo. Confidente. Recipiente de todas as dores e alegrias.

terça-feira, janeiro 08, 2008

Dorme, meu amor...




Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais
este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.
Fecha os olhos agora e sossega o pior já passou
há muito tempo; e o vento amaciou; e a minha mão
desvia os passos do medo. Dorme, meu amor -

a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste
e pode levantar-se como um pássaro assim que
adormeceres. Mas nada temas: as suas asas de sombra
não hão-de derrubar-me eu já morri muitas vezes
e é ainda da vida que tenho mais medo. (...)

Maria do Rosário Pedreira



Nas noites de inquietação, estendo os braços como asas. Nas mãos carrego a doçura que se espalha no ar. Em direcção ao destino escondido na noite.

quinta-feira, janeiro 03, 2008

Quase um poema de amor


Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor


Miguel Torga

O amor está sempre nas palavras dos poetas. Mesmo quando a palavra não é escrita assim.