terça-feira, maio 27, 2008

Plateia



Não sei quantos seremos, mas que importa?!
Um que só fosse, e já valia a pena.
Aqui, no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!

Não podemos mudar a hora da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.

E o que não presta é isto, esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.


Miguel Torga


[Porque nunca devemos perder o direito à indignação...]

quarta-feira, maio 21, 2008

Que quer dizer a mágoa sempre que se deixa



Que quer dizer a mágoa sempre que se deixa
fazer sentir, quando se afasta depois
de ocupar os únicos sítios? O que quero
dizer fica menos veloz. A evitar o azul branco
do céu sobre mim, a visitar esta terra só
de inverno. Seria inútil começar agora
uma conversa mais explícita, talvez
sobre o ritmo exigente da cidade em que estás
ou sobre a actividade quase perfeita das crianças
em redor. Prefiro calar-me, sentir o vento
que vem do mar, rir um pouco tropeçando
na madeira corroída.
De pouco serve escutar assim as vozes
já tão cansadas, antes a cuidadosa escolha
das tábuas a pôr na casa vazia. Depois
falaste-me de um eco, de um barco inclinando-se,
da casa que não tens.
Esgota-se o que mais falta. Que vamos
dizer? Está bem amo-te. E ao fogo
acabando na cinza, à manhã que não existe.

Helder Moura Pereira

domingo, maio 18, 2008

Quidam - Deixem o sonho entrar...




Quidam, a nameless passerby, a solitary figure lingering on a street corner, a person rushing past, a person who lives lost amidst the crowd in an all-too-anonymous society.

Will I ever have the courage of my indignation?

I would have wanted not to die. I would have wanted never to grow up.

I would have wanted to rend my soul.

I would have wanted to unearth all buried grief.

My wish is that you be loved madly.

I would have loved to scratch the slick surfaces of our good intentions with a coarse voice.




Do programa oficial de Quidam - Cirque du Soleil. Não percam o sonho sob o Grand Chapiteau.

quinta-feira, maio 15, 2008

Agradecimentos




Deixo esta flor para agradecer os mimos que me têm sido dados. À Gi que atribuiu a este blogue o selo Arte y Amistad, o meu reconhecimento não só pela lembrança mas pela beleza que espalha no seu espaço.




À Nuvem que atribuiu ao Na dualidade da cor o selo "Este blog faz a diferença", agradeço do coração a lembrança e a amizade.




Deixo estes prémios para todos os que aqui passam e me têm brindado com a sua presença e amizade. A Mateso e a CNS fizeram-me um desafio ao qual respondo, lá no outro lado.

domingo, maio 11, 2008

Veredas



Nada sei dos caminhos da água,
e da sede da terra lembro pó,
as ervas secas
que levantam os meus passos.


Nada sei das veredas da planície
que se cruzam,
quando o Sol bate meio-dia.


Sei que nas areias, mortas, do deserto,
só o vento
vem fazer-me companhia,
e que, na longa secura da jornada,
um fio de água
me desperta a alegria.


Frescura fugidia,
quase nada...

Manuel Filipe

terça-feira, maio 06, 2008

Pretextos para fugir do real


A uma luz perigosa como água
De sonho e assalto
Subindo ao teu corpo real
Recordo-te
E és a mesma
Ternura quase impossível
De suportar
Por isso fecho os olhos
(O amor faz-me recuperar incessantemente o poder da
provocação. É assim que te faço arder triunfalmente
onde e quando quero. Basta-me fechar os olhos)
Por isso fecho os olhos
E convido a noite para a minha cama
Convido-a a tornar-se tocante
Familiar concreta
Como um corpo decifrado de mulher
E sob a forma desejada
A noite deita-se comigo
E é a tua ausência
Nua nos meus braços


Experimento um grito
Contra o teu silêncio
Experimento um silêncio
Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos


Alexandre O'Neill

sexta-feira, maio 02, 2008

Cavalo branco


branco
riscado no verde
cruza sombras num galope
no fremir de asa branca
crepita o bosque fremente
desse fogo que não arde
no restolho esvoaçante

corre
corcel libertado
cruza o manto de verdura
corre livre
enfim liberto
e ao vento o peito aberto
traz ao bosque outra frescura

corre
mítico unicórnio
e que ao som do teu tropel
floresça este vergel
brotem fontes de água pura

alado cavalo branco
trazes asas de luar
e dourar de cada estrela
nesse louco cavalgar.

Imagem e poema de Jorge Castro


O livro mais recente de Jorge Castro, Poemas de Menagem, inclui poemas dedicados:
"a um poeta
a um pintor
a um amigo
a alguém que cruzou os céus comigo
(...) "


Teve a simpatia e a amizade de me dedicar este poema. Obrigada, Jorge!